A arte, a princípio, não tem uma função, não visa um objetivo tangível. O impulso da criação artística não responde a um fim prático, nem surge como resposta a necessidades objetivas, a problemas que precisam de uma solução. É isso que a distingue de outros campos do saber e da produção humana. Apesar dessas considerações, porém, é evidente que a arte, tanto a contemporânea quanto a produzida em épocas passadas, sempre teve, se não uma função, pelo menos uma ambição: a de tornar visível o invisível, dar concretude a sentimentos, ideias, anseios que permaneceriam, de outra forma, abstratos e etéreos. É no território da arte que o real e o fantástico podem conviver, e as fronteiras entre o âmbito do imaginário e o do cotidiano se dissolvem. As obras de Regina Silveira, Ana Maria Tavares e Marta Spagnoli reunidas em In-Between, para além das particularidades do trabalho de cada uma das artistas, compartilham exatamente essa aspiração a dar forma a mundos e a cenas que, apesar de imediatamente compreensíveis e até críveis, são também imaginárias.
Ana Maria Tavares apresenta uma série de trabalhos digitais, que incluem uma instalação interativa de realidade virtual, onde vários de seus projetos mais visionários podem ser percorridos virtualmente, e dois vídeos, também produzidos digitalmente, em que a artista leva adiante sua investigação sobre a arquitetura modernista. A artista reconstrói ao computador edifícios icônicos, como a OCA projetada por Oscar Niemeyer para o Parque Ibirapuera em São Paulo, revestida por ela inteiramente, em seu interior, por espelhos que acabam alterando a percepção do espaço, desmaterializando por completo a arquitetura. Como em outros trabalhos de Ana Maria Tavares, a arquitetura modernista se torna, nessa (re)construção ao mesmo tempo fiel e completamente imaginária, ponto de partida simbólico para uma reflexão sobre as falhas e as idiossincrasias de um projeto de construção de país que, no Brasil como em muitos países latino-americanos, foi pautado por princípios estéticos rigorosos e imediatamente reconhecíveis, mas que não redundaram em transformações do status quo e das estruturas que governam, ainda hoje, uma sociedade profundamente segregada.
Jacopo Crivelli Visconti