Vitrines I a IX, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2008
Dimensão / Dimension
variáveis
Categoria / Category
three-dimensional
Material / Materials
Aço inox, mármore, granito e impressão sobre vidro

[português]

As obras Vitrines para Lina Bo Bardi (da série Paisagem Perdida) foram inspiradas nos projetos de Lina Bo Bardi para as mostras museológicas projetadas para o MASP – Museu de Arte de São Paulo, no Brasil. Fabricados entre 2008 e 2014, compreendem um conjunto de nove peças em vidro, mármore, inox e impressão UV.

Junto com seus conhecidos cavaletes de vidro e concreto – os expositores em forma de cavalete – feitos para pendurar pinturas do acervo do museu, Lina também concebeu bases transparentes para esculturas, para sustentar peças de arte feitas com materiais pesados. Quando vi os desenhos para este projeto pela primeira vez, minha interpretação foi que tais estruturas eram “quase-arquitetura”. Adotando a forma de caixas colocadas horizontal e verticalmente no piso do museu, pareciam contradizer a condição visual de leveza e transparência dos materiais escolhidos – “Plexiglas ou vidro?” – escreve a autora. Ela vai além improvisando esboços com exemplos de uso ao propor algo que me pareceu uma provocação radical: colocar sobre essas bases, aparentemente frágeis, o peso inegável das esculturas de bronze e pedra. O que realmente me surpreendeu foi o fato de que, assim como Brancusi, Lina subverteu a lógica tradicional da escultura, invertendo o protagonismo da obra para localizar no objeto funcional e supostamente neutro, o aspecto crítico e provocador, uma das tarefas mais elogiadas da arte.

Como na maioria dos desenhos altamente especulativos, Lina questiona sobre os materiais e a viabilidade técnica de suas ideias. Ela demonstra o prazer e o desafio inerentes a cada um de seus movimentos: desde a escolha dos materiais e a invenção de técnicas e processos que vão da cultura popular à mais moderna tecnologia de construção. Neste caso, talvez por dificuldades evidenciadas no projeto na época ou simplesmente por desinteresse, não há indícios de que essas vitrines-bases para exposição de esculturas tenham sido construídas ou mesmo testadas.

Após um processo imaginativo, uma sequência de rotações mentais, aceitei os desafios técnicos propostos por Lina neste projeto e apostei na possibilidade de criar um diálogo entre o trabalho de Lina e meu. Em vez de servirem de plintos ou estruturas de suporte para obras de arte, como indicam as peças imaginadas por ela, minhas caixas de vidro internalizaram sua funcionalidade e tornaram-se vitrines; tomaram as dimensões e a escala de nossos corpos e assumiram a condição de objeto-sujeito da cena. Como cápsulas assépticas e corpos vazios, surpreendem-nos tanto pela sua enigmática lógica construtiva que torna quase impossível a decifração dos olhos, como pelo jogo virtual que simula a captura da própria natureza. Este jogo virtual resulta da sobreposição das cachoeiras e montanhas, as imagens impressas em cada lado de suas superfícies transparentes. Vistos de vários ângulos formam um campo holográfico tridimensional que parece estar em constante fuga, um espaço vazio em três dimensões habitado apenas pela nossa imaginação. O que vemos parece se mover junto com o movimento dos nossos olhos e do nosso próprio corpo ao redor da peça. Mas é pura ilusão. A natureza está suspensa, parada e congelada. Somente nossa imaginação pode ouvir seus sons, ver suas mudanças atmosféricas e imaginar o que não podemos mais acessar. Paisagens Perdidas.

Nessas vitrines, a natureza é aprisionada e refém; está sob controle e apresentado para análise e observação: a selva tropical, a grande ameaça ao projeto moderno com suas cachoeiras e montanhas indomáveis, flutua sobre uma base de mármore quadriculado preto e branco. Como nossa coluna vertebral, hastes de aço inoxidável estruturam a cena. Sem eles, tudo desmorona. O desejo é encapsular a biosfera e domesticar a natureza para finalmente comentar as ideologias perversas que alimentaram o projeto moderno. 

Ana Maria Tavares, 2020

Vitrines I, II e III, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2008. Créditos: Cia de Fotos.


Vitrine III, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2008. Créditos: Cia da Foto.


Vitrine II, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2008. Créditos: Cia de Fotos.


Vitrine I, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2008. Créditos: Cia de Foto.


Vitrine IV, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2014. Créditos: Sérgio Araújo.


Vitrine VIII, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2014. Créditos: Sérgio Araújo.


Vitrine VIII, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2014. Créditos: Sérgio Araújo.


Vitrines IV e VI, da série Paisagens Perdidas (para Lina Bo Bardi), 2014. Créditos: Sérgio Araújo.


Vista Geral da exposição "Atlântica Moderna: Purus e Negros", no Museu Vale, Vila Velha, Espírito Santo, 2014. Créditos: Sérgio Araújo.